Se você está lendo este post no ano de 2022, aqui no Brasil estamos comemorando os 100 anos da semana da arte moderna. Logo, muito tem se falado à respeito, em especial sobre a literatura e artes plásticas. Mas será que a arquitetura, também foi influenciada pelo movimento modernista da semana de 22?
O evento de três dias que aconteceu no teatro municipal de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de Fevereiro de 1922, é tido como o início do movimento modernista. Mas como tudo na história, podemos começar contextualizando esse período, para entender os desdobramentos que vieram a seguir, inclusive as mudanças na arquitetura Brasileira, que permanecem até os dias atuais. E o que eu já posso adiantar, é que sim, a arquitetura foi e ainda é influenciada pelo movimento modernista de 1922.
O contexto histórico da década de 1920, os "loucos anos 20"
O mundo acabava de sair da primeira grande guerra, que terminara em 1918, que entre outras mudanças, "retirou" da França o papel de ser referência nas artes, cultura e tecnologia. Ao mesmo tempo que a Inglaterra também perdia o seu posto de potência econômica mundial. Enquanto isso, o continente Americano, integro, visto que a guerra havia se concentrado na Europa, vislumbrava um caminho aberto para a prosperidade.
Neste cenário, os Estados Unidos assume o papel de potência econômica mundial, desenvolvendo a sua indústria, em especial a automobilística e inundando o país com automóveis Ford. Além do automóvel, nascia a aviação civil que expandia ainda mais as fronteiras, inclusive com a realização da primeira viagem de avião intercontinental sem escala. Enquanto a Europa se reconstruía, com capital e manufaturados dos Estados Unidos.
Com sua indústria em ascensão, mercado financeiro "abastecido" e crescimento do consumo impulsionado pelo crédito, a crescente classe média Norte Americana, vivia "os loucos anos 20". O lema era "compra agora e pague depois". O fato é que as transformações econômicas, mudaram radicalmente o comportamento dessa nova classe média, que tendo o básico atendido (alimentação e bem estar social), os Estados Unidos avançam culturalmente, em especial na música no cinema, nas artes, na dança e até no crime organizado, com o surgimento da máfia.
E por falar em máfia, no cinema, nomes consagrados até hoje, como Charlie Chaplin, Buster Keaton, Gordo e Magro e clássicos da ficção científica, como o futurista Metrópolis, (que se passa no então longínquo ano de 2026) constroem as bases da indústria cinematográfica que perdura até os dias atuais. É também neste período, que as mulheres conquistam espaço na sociedade. As saias encurtam, assim como os cortes de cabelo e surgem as "melindrosas". Na construção civil, como um símbolo da sociedade pujante, os prédios (ao contrário das saias) ficam maiores, constroem-se os primeiros arranha-céus com mais de 100 andares, como o icônico Empire State Building.
Enquanto isso no "velho continente"...
Na Europa do pós guerra, ascendem movimentos nacionalistas antidemocráticos como o nazismo na Alemanha, fascismo na Itália e o comunismo na Rússia, como uma possível "solução fácil" aos problemas econômicos gerados pela guerra.
E se no campo político, a resposta parecia vir pela força, no campo das artes, a resposta parecia vir do rompimento com a escola clássica. Movimentos como o "Cubismo", "Dadaismo" e "Expressionismo", em obras de Picasso, Salvador Dali e Miro, serviriam de inspiração para artistas aqui no Brasil.
E assim como os artistas Europeus inspiravam os Brasileiros, os políticos daqui, também se inspiravam nos políticos Europeus (em especial os menos democráticos), afinal de contas, o Brasil, também queria um ditador para poder "chamar de seu". Eclodem nessa década, movimentos como o "tenentismo" e "coluna Prestes" apresentando diferentes ideias de como governar. Mas somente no final da década, por meio de um golpe, Getúlio Vargas assumiria o poder em 1930, impondo a ditadura do Estado Novo.
E por falar em Brasil, o contexto econômico também parecia ser promissor aqui pelas nossas terras. Como um grande exportador de commodities agrícolas (em especial café), surge uma elite Paulista burguesa que se instala na cidade de São Paulo.
O estado, que já dividia com Minas Gerais o controle político do país, anseia por também ser, o eixo intelectual da América do Sul. E se assim como Paris (fonte de inspiração urbana para o Rio de Janeiro), perdia o posto de "centro do mundo" para o industrializado e moderno Estados Unidos, São Paulo também queria ser moderna e industrial.
Muitas famílias partiam do campo em busca de trabalho na cidade, enquanto o pais também recebia imigrantes (em especial Europeus), incentivados pelo governo. A imigração de Europeus, permitiu ao Brasil economizar anos de desenvolvimento tecnológico, importando "mão de obra", com experiência na indústria.
Junto com a mão "experiente" vieram as mentes (também "experientes"), e com elas, movimentos sociais, como anarquismo, socialismo e outros "ismos". E um país até então escravocrata, da noite para o dia, precisava lidar com greves e protestos organizados por imigrantes. Essa "importação" de pensamentos sociais e políticos, também acabaria por influenciar o pensamento de arquitetos e urbanistas que despontariam ao longo daquela década.
Mas e a arquitetura, onde entra nessa história?
Bem, passada a semana da arte moderna, no meio desse "caldo" de urbanização, movimentos sociais, políticos, intelectual e econômico da década de 20, formam-se dentro das universidades, jovens com a ideia de algo que pudesse unir, novos materiais, e mudanças sociais.
Bebendo na fonte de Escolas como a Bauhaus, através de expropriados perseguidos pelos nazistas, assim como os artistas da semana de 22, os jovens engenheiros arquitetos, também queriam adaptar os conceitos "de lá", nas terras "de cá".
E finalmente, quando esses jovens modernistas, cheio de ideias, encontram o dinheiro da classe econômica e política, sedenta em parecer moderna, surgem as primeiras obras da arquitetura modernista do Brasil, dos quais usufruímos de seu legado até os dias atuais.
A arquitetura modernista, assim como a arte moderna, contava com elementos simples para criar composições surpreendentes, que através do uso de tecnologias construtivas modernas, buscava criticar as desigualdades sociais de forma evidente. A ideia central era usar formas geométricas simples, que juntas compõem obras que não passam despercebidas, rompendo com os projetos arquitetônicos da época, ao mesmo tempo que democratizam o espaço urbano.
No Brasil, as primeiras obras modernistas datam dos anos 1930, a obra tida por historiadores como a primeira tipicamente modernista (existem discordâncias entra as fontes), fica no Rio de Janeiro. O edifício Gustavo Capanema, mais conhecido como o prédio do MES (Ministério da Educação e Saúde), localizado na Rua da Imprensa, 16 no centro do Rio de Janeiro, é considerado o marco do estabelecimento da Arquitetura Moderna Brasileira, tendo sido projetado por Lucio Costa, Oscar Niemeyer e outros, com a consultoria do arquiteto Suíço, Le Corbusier (temos um post com a história dele aqui no blog). O edifício tem o seu bloco principal suspenso sobre pilotis, com estrutura livre de paredes e divisórias internas, fechado com cortinas de vidro, além de possuir "brises" na sua face norte, que ao mesmo tempo que permite a entrada de luz, protege da incidência direta dos raios solares. Apesar dos seus imponentes 16 andares, que ocupam todo o quarteirão, o térreo é aberto formando uma espécie de praça pública que permite a passagem de pedestres. E como cereja do bolo, o prédio conta com um revestimento externo decorado com azulejos de Cândido Portinari. Neste edifício, claramente identificamos, os "cinco pilares" da arquitetura moderna.
Fachadas sem divisórias e abertas ao público
Ambientes integrados
Terraço-jardim
Iluminação natural ampla, com uso de janela em toda ou na maior parte da fachada
Pilotis em substituição à paredes estruturais, deixando a circulação livre
Influências externas "os deglutidos"
Importante citarmos a Escola Bauhaus, considerada a primeira escola de design do mundo, influenciou fortemente a arquitetura moderna no Brasil. Fechada em 1933 pelos nazistas, espalhou pelo mundo muitos dos seus artistas, designer e arquitetos, que espalharam conceitos como o uso de pilares e amplas janelas nas construções, bem como o uso de materiais pré-fabricados, simplificando os volumes das construções com geometrias simples e linhas retas.
Vamos lembrar, que o movimento modernista Brasileiro "assimilou" (sem copiar) as referências externas e criou uma linguagem própria adequada ao pais, que no caso da arquitetura, acabou inspirando "de volta" arquitetos e obras ao redor do mundo.
E já que falamos dos "deglutidos", vamos agora falar de alguns dos nossos queridos "canibais" e suas obras "regurgitadas":
Lúcio Costa
Pioneiro da arquitetura modernista no Brasil, ficou reconhecido mundialmente pelo projeto do plano piloto de Brasília. Lucio Costa, foi diretor da Escola Nacional de Belas Artes, cargo que ocupou por poucos anos, mas tempo suficiente para conquistar jovens corações e mentes, entre eles do então estudante Oscar Niemeyer.
Entre as principais obras de Lucio Costa, podemos citar:
Vilanova Artigas
Embora nascido na cidade de Curitiba, Artigas é considerado um dos principais nomes da história da arquitetura de São Paulo, tanto pelas obras, quanto pela geração de arquitetos influenciados por ele.
Formado como Engenheiro-Arquiteto na escola Politécnica da Universidade de São Paulo, tendo se tornado professor nessa mesma escola, fez parte do grupo de professores que deu origem à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, sendo um dos responsáveis pelo projeto da nova sede da Faculdade, que leva o seu nome.
Oscar Niemeyer
Oscar Niemeyer, é considerado uma figura chave no desenvolvimento da arquitetura moderna, muito conhecido pelos projetos dos edifícios cívicos de Brasília, bem como a sua colaboração no projeto da sede da ONU em Nova Iorque.
Se você é um habitante do planeta terra, contemporâneo a mim, com certeza você já deve ter visto alguma obra de Niemeyer e uma perua Kombi durante a sua vida.
Tendo vivido até os 104 anos, e trabalhando até os últimos dias de vida, Niemeyer deixou um legado de mais de 600 obras espalhadas pelo mundo. Sua marca registrada eram prédios feitos em concreto com janelas amplas, que podem ser vistos em construções como o Copan, o Congresso Nacional, a sede da ONU, entre outros.
Difícil a missão de separar as obras de Niemeyer para colocar neste post, mas como não dá para citar todas, resolvi listar as mais diversas possíveis.
Niemeyer passa longe de ser uma unanimidade. Entre os principais nomes da arquitetura, muitos o criticavam pelo excesso de curvas e dificuldade construtiva de seus projetos, que em muito fugia dos ideais da Bauhaus, de simplicidade construtiva, modularidade, etc... defendida por Walter Gropius.
Por outro lado, é difícil não ser impactado pelas suas obras, nas palavras do próprio Niemeyer:
"... quem for a Brasília, pode gostar ou não dos palácios, mas não pode dizer que viu antes coisa parecida..."
Lina Bo Bardi
Lina Bo Bardi, nasceu na Itália, mas naturalizou-se no Brasil após a segunda guerra mundial, quando seu estúdio em Milão foi bombardeado.
Azar da cidade de Milão, e sorte da cidade de São Paulo, que foi agraciada com duas das obras mais icônicas da cidade, que saíram da prancheta de Lina Bo Bardi.
São eles, o Sesc Pompéia, e o cartão postal da cidade de São Paulo, o MASP. No Brasil Lina encanta-se com as propostas da arquitetura moderna, em um pais com uma cultura recente, em formação, muito diferente do pensamento europeu.
No Brasil, Lina desenvolve uma imensa admiração pela cultura popular, sendo essa uma das principais influencias de seu trabalho. Lina pensa o espaço como algo a ser construído pela própria pessoa, um espaço inacabado, a ser preenchido pelo uso popular cotidiano.
Paulo Mendes da Rocha
Paulo Archias Mendes da Rocha, nasceu em Vitória, mas fez sua carreira prioritariamente na cidade de São Paulo, tendo uma posição de destaque na última década na arquitetura contemporânea Brasileira. Foi autor de projetos polêmicos e que constantemente dividem a crítica especializada.
Formado na faculdade de arquitetura e urbanismo pelo Mackenzie em 1954, participou do grupo de alunos interessados na arquitetura moderna. Influenciado por Vilanova Artigas, foi um grande adepto do uso do concreto armado aparente, grandes espaços abertos e estruturas racionais. Elementos que viriam a caracterizar a "Escola Paulista".
Paulo Mendes da Rocha faleceu em 2021, aos 92 anos de idade, vivenciando a transição do modernismo para o contemporâneo. Ao longo de sua carreira como professor, promoveu entre seus alunos discussões sobre o papel social do arquiteto, o que lhe rendeu a cassação de seus direitos políticos em 1969 pela ditadura militar.
Entre suas obras:
O que ficou da arquitetura modernista?
Gostando ou não do estilo modernista na arquitetura, o fato é que tratou-se de um movimento genuinamente Brasileiro, que nos colocou no mapa da arquitetura mundial e que ainda influencia arquitetos ao redor do globo.
Assim como outros estilos, representou um momento da sociedade e nos conduziu dos anos 1920 até os anos 1980, da "República Velha" à Democracia Moderna, passando pelo "Estado Novo", Democratização, Ditadura Militar e Redemocratização, não só na política, mas também no modo de morar, viver, se relacionar e trabalhar.
Graças à arquitetura moderna, pudemos migrar das pequenas salas de escritório, com escrivaninhas da revolução industrial, até os modernos layouts com salas abertas, caixas de vidro, luz natural para todos e até os "pufs" coloridos das startups de tecnologia.
"Você pode até não gostar da arquitetura modernista, mas com certeza ela era diferente de tudo que você tinha visto até então".
Oque pude perceber nas minhas pesquisas, é os modernistas já esperavam (e até desejavam), a crítica. Até dizem por ai, que contrataram "claque" para serem vaiados. Assim sendo, aplaudindo ou vaiando, vamos celebrar o centenário da semana da arte moderna de 22.
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